quinta-feira, 15 abril 2021 20:23

Holocausto: esquecer ou recordar?

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Neste pequeno ensaio vou tratar de responder à questão que lhe serve de título: será que devemos recordar ou esquecer esta página negra da nossa existência da civilização ocidental?

O ato de recordar está associado ao processo de memória, que consiste na capacidade para adquirir e conservar informação de representações da experiência passada, com base nos processos mentais de codificação, armazenamento e recuperação da informação.

Já o ato de esquecer está associado ao processo de esquecimento. Existem várias explicações para este fenómeno, tais como, a possibilidade de ter havido uma codificação ineficaz da informação (mas assim nunca teria havido esquecimento porque a informação não seria memorizada); a possibilidade de ter ocorrido uma falha momentânea do nosso processo de evocação (transformação de dados recuperados); a ocorrência de lesões que danificam os sistemas de recuperação e de geração de novas memórias.

O Holocausto foi um genocídio de cerca de 6 milhões de judeus durante a II Guerra Mundial. Foi perpetrado pelo regime Nazi, através de um programa de extermínio étnico e ocorreu em todo o Terceiro Reich (Alemanha Nazi) e nos territórios ocupados pela Alemanha durante a guerra, nomeadamente, a Polónia, a Áustria e a Checoslováquia.

Embora esta memória se revista de uma forte densidade emocional e possa impactar-nos de tal forma que afete a nossa moralidade, a nossa visão do mundo ou até as nossas convicções mais profundas que suportam tudo aquilo que somos e construímos, vou aqui defender que é necessário que não esqueçamos um evento tão horroroso e negro da nossa história baseando-me em argumentos de ordem política, social e psicológica. Passo a explicá-los.

- Argumento político: um tipo de governo autocrata, autoritário e totalitário que incita ao ódio, à violência e à discriminação e que pode originar atrocidades como esta, é perigosíssimo, tanto mais que estes mecanismos se insinuam lenta e impercetivelmente, instalando-se no poder quase sem nos apercebermos. É fundamental conhecermos os sinais indicadores destas ditaduras para que as possamos eliminar precocemente, nomeadamente: o culto da tradição e dos “bons costumes”; a repulsa do modernismo e do cosmopolitismo; a rejeição do pensamento crítico; o apelo à classe mais precária e frustrada; o nacionalismo como identidade social.

- Argumento social: o Holocausto causou a morte não só de judeus, mas também de ciganos, homossexuais, comunistas, deficientes físicos e mentais e prisioneiros de guerra. Foi a prova de que conseguimos reter no nosso interior uma quantidade abrupta de raiva, que é libertada sob a forma de machismo, de xenofobia, de racismo e/ou de homofobia. Por isso, a melhor forma de evitarmos que a história se repita é que recordemos este episódio sanguinário para que consigamos atuar socialmente, lutando pela defesa dos direitos humanos, incluindo o direito à liberdade individual.

- Argumento psicológico: a questão que impulsiona este trabalho pode ser comparada a uma situação - imaginemos que alguém sofreu de uma doença agressiva e que, a muito custo, conseguiu curar-se. No entanto, passados alguns anos, alguns sintomas que caracterizam a doença voltam a aparecer. A pessoa em questão deve ignorar os sintomas e fingir que o seu passado de sofrimento nunca aconteceu? Ou, por outro lado, deve procurar ajuda atempadamente e ter sempre em mente o que lhe aconteceu de forma a obter um diagnóstico precoce que lhe permita ter mais hipóteses de sobrevivência? É evidente, para mim, que o indivíduo em questão, ainda que lhe seja custoso recordar-se de toda a situação que lhe causa transtorno psicológico, deve fazê-lo para que possa evitar passar pelo mesmo. Para mim, na balança em que num lado está o sofrimento psicológico, associado à memória, e no outro a prevenção da ocorrência de situações semelhantes pela memória, não há dúvidas de que este segundo pesa mais.

Gostaria de acabar este pequeno ensaio transcrevendo um excerto do livro O Fascismo - Um Alerta de Madeleine Albright, onde a escritora, diplomata e primeira mulher a desempenhar o cargo de secretário de estado dos EUA, fala sobre as cenas finais do filme “O Grande Ditador” de Charlie Chaplin, para que também estas palavras possam ecoar nas nossas memórias.

“Chaplin profere uma homilia acerca da resiliência do espírito humano perante o mal. Pede aos soldados que não se entreguem a «homens que vos desprezam, vos escravizam, (…) vos tratam como gado, vos usam como carne para canhão, (…) homens desnaturados – homens-máquina com mentes de máquina e corações de máquina. Não sois máquinas! Não sois gado! Sois homens. Tendes o amor  da humanidade nos vossos corações. Neste momento, a minha voz chega a milhões de pessoas em todo o mundo», diz o humilde barbeiro à multidão. «Milhões de homens, mulheres e crianças em desespero – vítimas de um sistema que leva os homens a torturar e a prender pessoas inocentes. Àqueles que me ouvem, eu digo – não desespereis. (…) O ódio dos homens desaparecerá, os ditadores morrem e o poder que eles vos roubam regressará ao povo. (…) A liberdade não perecerá nunca.»”.

 

Marco Monteiro, n.º 16, 12.º A

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