Centenas de léguas andou “esta nau da Índia sobre rodas” com (quase) quantos cabem no alfabeto da amostra e vão a Lisboa e a Mafra ver mosteiros, palácios e conventos. Olha se os tais reis que tudo podiam os tinham mandado fazer no Algarve... muito melhor viajaríamos, por exemplo, se tivéssemos uma passarola voadora.
A praia do Restelo, lugar de épicas partidas, é hoje porto seguro desta chegada. Alguns sobem à “caravela” com o Infante D. Henrique à proa e “viajam” pelo rio, enorme e majestoso, pelo mar e pela cidade, com a Torre a vigiar-nos. Outros, partem por artes mais modernas, ali ao lado no Museu Coleção Berardo. Segue-se o mosteiro manuelino, cenário de fundo desde a chegada e testemunho de passado glorioso, onde repousam turistas, poetas e navegadores.
Descansam Pessoa, Camões, Herculano e o Gama, abrigados da chuva forte que cai sobre a “cidade pálida” e nos retém, empurrando para depois o encontro com os lugares, afetos e trajetos do primeiro noutras partes da cidade. A poucos passos, agora que o dilúvio parece dar tréguas, alguns aventuram-se em desvendar, ou pelo menos degustar, o cremoso segredo dos Pastéis de Belém.
“O céu acordou limpo e transparente”. Está um bom dia para virar a Oriente, rumo ao testemunho da forte presença portuguesa nos mais distantes lugares orientais. “Atracado” na doca de Alcântara, junto ao Tejo, o Museu do Oriente é uma ponte para uma ligação com mais de 5 séculos.
“A grande nau sobre rodas” leva-nos ao coração da capital. Os viajantes, sempre em passo apressado, seguem para o Chiado, guiados pelos passos de Pessoa que em todas as esquinas nos interpela. Encontramo-lo sentado na Brazileira, ironicamente enclausurado e só, longe dos turistas que espreitam pela vedação das obras. Cruzam-se ainda com ele, que foi tantos, no largo que o viu nascer, ali bem perto do “sino da minha aldeia”. Visita breve, saudação ao largo, pois o roteiro quer que desçamos a augusta e agitada rua, artéria central da cidade e do poeta, em direção ao Tejo “ancestral e mudo”. Impacientes e desassossegados, espreitam as mesas do Martinho da Arcada, “escritório de fim de tarde”, café predileto onde passou parte da vida e se preparou para a morte em “flagrante delitro”.
É um bonito dia para andar por Lisboa, com bom tempo para lá ficar, mas pouco tempo para continuar a viagem.
É em Lisboa, num dia de auto de fé, que Baltasar conhece Blimunda, mas o roteiro da sua história de amor segue para Mafra, vila que serve de inspiração e cenário a “Memorial do Convento”. Em 90 minutos, pela mão da companhia Éter Produções entramos nas memoráveis páginas que Saramago consagrou à construção da “montanha de pedra” que nos acolhe, numa homenagem ao povo anónimo que tornou possível a promessa de um rei para quem nada era impossível. Glória para uns, sacrifício para outros, apenas para que D. João, “o quinto de seu nome na tabela real”, cumpra o seu dever e lhe nasça um filho! Conhecemos ainda o par amoroso Sete-Sóis e Sete-Luas, “soldado maneta e a mulher que tinha poderes”, e o Padre Bartolomeu de Gusmão, “que queria voar e morreu doido”. Três personagens unidas pelo sonho de voar, obra do demónio que só podia terminar em tragédia, numa época em que a fogueira era castigo divino.
Apenas umas léguas ensonadas nos separam do Montemuro que abre as portas para nos receber em Cinfães.
“Viajar? Para viajar basta existir.”