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sexta-feira, 24 janeiro 2020 17:05

Era uma vez em Lisboa e Mafra

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Era uma vez um poeta que foi muitos. Era uma vez um convento e as gentes que o ergueram. Era uma vez um livro que lhe fez memória. Era uma vez uma viagem. Era uma vez.

Centenas de léguas andou “esta nau da Índia sobre rodas” com (quase) quantos cabem no alfabeto da amostra e vão a Lisboa e a Mafra ver mosteiros, palácios e conventos. Olha se os tais reis que tudo podiam os tinham mandado fazer no Algarve... muito melhor viajaríamos, por exemplo, se tivéssemos uma passarola voadora.

A praia do Restelo, lugar de épicas partidas, é hoje porto seguro desta chegada. Alguns sobem à “caravela” com o Infante D. Henrique à proa e “viajam” pelo rio, enorme e majestoso, pelo mar e pela cidade, com a Torre a vigiar-nos. Outros, partem por artes mais modernas, ali ao lado no Museu Coleção Berardo.  Segue-se o mosteiro manuelino, cenário de fundo desde a chegada e testemunho de passado glorioso, onde repousam turistas, poetas e navegadores.

Descansam Pessoa, Camões, Herculano e o Gama, abrigados da chuva forte que cai sobre a “cidade pálida” e nos retém, empurrando para depois o encontro com os lugares, afetos e trajetos do primeiro noutras partes da cidade. A poucos passos, agora que o dilúvio parece dar tréguas, alguns aventuram-se em desvendar, ou pelo menos degustar, o cremoso segredo dos Pastéis de Belém.

“O céu acordou limpo e transparente”. Está um bom dia para virar a Oriente, rumo ao testemunho da forte presença portuguesa nos mais distantes lugares orientais. “Atracado” na doca de Alcântara, junto ao Tejo, o Museu do Oriente é uma ponte para uma ligação com mais de 5 séculos.

“A grande nau sobre rodas” leva-nos ao coração da capital. Os viajantes, sempre em passo apressado, seguem para o Chiado, guiados pelos passos de Pessoa que em todas as esquinas nos interpela. Encontramo-lo sentado na Brazileira, ironicamente enclausurado e só, longe dos turistas que espreitam pela vedação das obras. Cruzam-se ainda com ele, que foi tantos, no largo que o viu nascer, ali bem perto do “sino da minha aldeia”. Visita breve, saudação ao largo, pois o roteiro quer que desçamos a augusta e agitada rua, artéria central da cidade e do poeta, em direção ao Tejo “ancestral e mudo”. Impacientes e desassossegados, espreitam as mesas do Martinho da Arcada, “escritório de fim de tarde”, café predileto onde passou parte da vida e se preparou para a morte em “flagrante delitro”.

É um bonito dia para andar por Lisboa, com bom tempo para lá ficar, mas pouco tempo para continuar a viagem.

É em Lisboa, num dia de auto de fé, que Baltasar conhece Blimunda, mas o roteiro da sua história de amor segue para Mafra, vila que serve de inspiração e cenário a “Memorial do Convento”. Em 90 minutos, pela mão da companhia Éter Produções entramos nas memoráveis páginas que Saramago consagrou à construção da “montanha de pedra” que nos acolhe, numa homenagem ao povo anónimo que tornou possível a promessa de um rei para quem nada era impossível. Glória para uns, sacrifício para outros, apenas para que D. João, “o quinto de seu nome na tabela real”, cumpra o seu dever e lhe nasça um filho! Conhecemos ainda o par amoroso Sete-Sóis e Sete-Luas, “soldado maneta e a mulher que tinha poderes”, e o Padre Bartolomeu de Gusmão, “que queria voar e morreu doido”. Três personagens unidas pelo sonho de voar, obra do demónio que só podia terminar em tragédia, numa época em que a fogueira era castigo divino.

Apenas umas léguas ensonadas nos separam do Montemuro que abre as portas para nos receber em Cinfães.

“Viajar? Para viajar basta existir.”

                                                                                                      

Lido 1225 vezes Modificado em segunda-feira, 27 janeiro 2020 09:20

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